Galeria dos Mártires - Joilson de Jesus
JOLSON DE JESUS
Mártir dos Meninos e Meninas de Rua
SÃO PAULO
– SP * 09/12/1983
Joilson de Jesus, menino da rua, companheiro
sofredor de milhares de menores, meninos e meninas, Joílson foi brutalmente
assassinado por um procurador da justiça, no dia 9 de dezembro de 1983, quando
foi surpreendido pegando uma correntinha de uma mulher que assistia à exibição
de Capoeira, na Praça da Sé, em São Paulo. Joílson correu até o largo São
Francisco, onde foi agarrado pelo desumano procurador e pisoteado até à morte.
Texto retirado da Galeria dos Mártires, no Santuário de Ribeirão Cascalheira, MT.
Joílson de Jesus nasceu pobre. Quer fazer o favor
de ler de novo? Joílson de Jesus nasceu pobre. É possível isto? Alguém já
nascer pobre? É! Isto quer dizer que Joílson nasceu marcado feito gado para o
resto da vida: POBRE. Isto quer dizer que, apesar de não ter cometido nenhum
crime, Joílson nasceu condenado. Sem direito a sursis. Isto que dizer que, em
vez de leite, beberia água de esgoto; no lugar de escola, frequentaria as
academias da FEBEM. Em lugar de cobertor, dormiria coberto pelo estigma da cor.
Joílson era um negrinho. Pobre e negrinho. Quer dizer que, quando o Natal
chegasse, Joílson teria que fechar os olhos e ouvidos à orgia de anúncios de
maravilhosos brinquedos, gostosos panetones, luxuosas roupas e fantásticos
jogos eletrônicos. E as mulheres deliciosas, cheirosas e belas que também se
anunciavam? Quer dizer que Joílson, no Natal, teria que virar também um eunuco.
Pobre, negrinho e eunuco. Aos 15 anos, Joílson sabia que teria a mesma sina do
seu bisavô, do seu avô, do seu pai, do seu neto e do seu bisneto: trabalharia
dezoito horas por dia para nada. E resolveu a exemplo do que via nos altos
escalões, arrancar correntes de ouro do pescoço dos outros. Agora, deve ter
pensado, terei videogames, panetones, contas na Suíça. Abrirei uma financeira
e, quem sabe, serei até um presidenciável. Joílson se esqueceu que seu crachá
era de pobre, negrinho e eunuco. Foi agarrado por um procurador do Estado e
pisoteado pelo esquadrão de locutores de rádio até soltar pela boca um líquido
verde. Não, não vomitou, porque nada tinha no estômago. O verde era da bílis.
E, pela madrugada AM, ouviram-se os urros de triunfo dos Tarzans do rádio: -- Ao
ter sua espinha partida, o canalha, o safado, o pivete, o trombadinha, o
bandido urinou nas calças! Joílson morreu como nasceu: pobre. Mas seus filhos e
netos e bisnetos escaparam de sua sina, simplesmente porque não vão nascer. Mas
o esquadrão da notícia, em texto plantado num jornal colarinho-branco, continua
soltando sua bílis. Quer agora linchar a Igreja por terem seus bispos rezado
por Joílson. E a Talita? E o bebê assassinado por um desses Joílsons? Parecem
querer dizer: olho por olho. 1 x 1! Ah! Então é jogo? Luta de classes? Se é
guerra, é guerra. Porque morrem mil crianças de subnutrição por dia no Brasil.
E em 84 morrerão 3 milhões de Joílsons só no Nordeste. Assim procuradores de
Estado e esquadrões do rádio e do papel anotem o placar correto: 3 milhões x 1!
E vão-se os pescoços, ficam os cordões de ouro.
Texto de Henfil, escrito na década de 80,
encontrado no livro "diretas já"
https://www.youtube.com/watch?v=F1IhRZ1vnUQ
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