Galeria dos Mártires - Frei Tito de Alencar Lima
FREI TITO DE ALENCAR LIMA
Mártir da Tortura
FRANÇA * 10/08/1974
Tito de Alencar Lima, religioso dominicano,
perseguido e preso por seu compromisso com o povo oprimido, viveu as mais bárbaras
torturas, físicas e psicológicas, sobretudo na Operação Bandeirantes – centro
de torturas do exército, em São Paulo.
É um dos casos mais dramáticos da perseguição à
Igreja e ao povo nesses anos das ditaduras militares de Nossa América. Tito
interiorizou toda as acusações, as solidões todas, tentou evitar de todo jeito
comprometer seus companheiros, carregou como uma sombra de pecado a imagem do
delegado torturador Fleury, no exílio do Chile e da França e, finalmente, num
gesto de expiação extrema se enforcou numa árvore, aos 28 anos, na capina
francesa.
Mártir da tortura é considerado mundialmente,
vítima dos poderes de repressão. Num poema histórico, que escreveu na França,
reproduz com sua agonia a agonia de Jesus: “Pediste
a teu Pai tua paz, o sentido de tua paixão e de teu amor. / Meu Pai, meu país:
por que me abandonaste?”.
“É
preferível morrer do que perder a vida”.
“... Quiseram
deixar-me dependurado toda a noite no pau-de-arara. Mas o capitão Albernaz
objetou: “Não é preciso, vamos ficar com ele aqui mais dias. Se não falar será
quebrado por dentro, pois sabemos fazer as coisas sem deixar marcas visíveis.
Se sobreviver, jamais esquecerá o preço de sua valentia...
Na cela, eu não conseguia dormir. A dor
crescia a cada momento. Sentia a cabeça dez vezes maior que o corpo.
Angustiava-me a possibilidade de os outros religiosos sofrerem o mesmo. Era
preciso pôr um fim àquilo. Sentia que não iria aguentar mais o sofrimento
prolongado. Só havia uma solução: matar-me. Na cela cheia de lixo encontrei uma
lata vazia. Comecei a amolar sua ponta no cimento...
Tomei a gilete, enfiei-a com força na
dobra interna do cotovelo, no braço esquerdo. O corte fundo atingiu a artéria.
O jato de sangue manchou o chão da cela. Aproximei-me da privada, apertei o
braço para que o sangue jorrasse mais depressa.
Revestidos de paramentos litúrgicos, os
policiais me fizeram abrir a boca “para receber a hóstia sagrada”. Introduziram
um fio elétrico. Fiquei com a boca toda inchada, sem poder falar direito.
No sábado, teve início a tortura
psicológica. “A situação agora vai piorar para você, que é um padre suicida e
terrorista”, diziam eles. “A Igreja vai expulsá-lo”. Não deixavam que eu
repousasse. Falavam o tempo todo, jogavam, contavam-me estranhas histórias.
Percebi logo que, a fim de fugirem à responsabilidade de meu ato e o
justificarem, queriam que eu enlouquecesse”.
(No exílio, na França, sempre subsistindo à
sequelas da tortura, Frei Tito escreveu esta poesia:)
Quando Secar
o Rio de Minha Infância
Quando secar o rio de minha infância
secará toda dor.
Quando os regatos límpidos de meu ser
secarem
Minha alma perderá sua força.
Buscarei, então, pastagens distantes
- lá onde o ódio não tem teto para
repousar.
Ali erguerei uma tenda junto aos
bosques.
Todas as tardes me deitarei na relva
e nos dias silenciosos farei minha
oração.
Meu eterno canto de amor:
expressão pura de minha mais profunda
angústia.
Nos dias primaveris, colherei flores
para meu jardim da saudade.
Assim, exterminarei a lembrança de um
passado sombrio.
Terra de
Santa Cruz - Adélia Prado
Poetisa e escritora. O poema em homenagem a Frei
Tito está no livro Terra de Santa Cruz, de 1986, publicado pela Editora
Guanabara.
Nas minhas
bodas de ouro, esganada como os netos,
vou comer os
doces.
Não terei a
serenidade dos retratos
de mulheres
que pouco falaram ou comeram.
Porque o
frade se matou
no pequeno
bosque fora de seu convento.
De outras
vezes já disse: não haverá consolo. E houve:
música,
poema, passeatas.
O amor tem
ritmos que não são de tristeza:
forma de
ondas, ímpeto, água corrente.
E agora? Que
digo ao homem, ao trem, ao menino que me espera,
à
jabuticabeira em flores, temporã?
Contemplar o
impossível enlouquece.
Sou uma tênia
no epigastro de Deus:
E agora? E
agora? E agora?
Onde estavam
o guardião, o ecônomo, o porteiro,
a
fraternidade onde estava quando saíste,
o desgraçado
moço da minha pátria,
ao encontro
desta árvore?
Meu inimigo
sou eu. Os torturadores todos enlouquecem ao fim,
comem
excrementos, odeiam seus próprios gestos obscenos,
os regimes
iníquos apodrecem.
Quando
andavas em círculos, a alma dividida,
o que fazia,
santa e pecadora, a nossa Mãe Igreja?
Promovia
tômbolas, é certo, benzia edifícios novos,
mas também te
gerava, quem ousará negar, a ti
e a outros
santos que deixam as bíblias marcadas:
"Na
verdade carregamos em nós mesmos nossa sentença de morte".
"Amai
vossos inimigos".
O que disse:
"Quem crer viverá para sempre", este também
balouçou do
madeiro como fruto de escárnio.
Nada, nada
que é humano é grandioso.
Me interrompe
da porta a mocinha boçal. Quer mudas de trepadeira.
Meus cabelos
levantam. Como um torturador eu piso e arranco
a muda, os
olhos, as entranhas da intrusa
e não sendo
melhor que Jó choro meus desatinos.
Sempre há
quem pergunte a Judas qual a melhor árvore:
os loucos
lúcidos, os santos loucos,
aqueles a
quem mais foi dado, os quase sublimes.
Minha maior
grandeza é perguntar: haverá consolo?
Num dedal
cabem minha fé, minha vida e
meu medo
maior que é viajar de ônibus.
A tentação me
tenta e eu fico quase alegre.
É bom pedir
socorro ao Senhor Deus dos Exércitos,
ao nosso Deus
que é uma galinha grande.
Nos põe
debaixo da asa e nos esquenta.
Antes, nos
deixa desvalidos na chuva,
pra que
aprendamos a ter confiança n'Ele
e não em nós.
Texto elaborado por Tonny da Irmandade dos Mártires da Caminhada.
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