Galeria dos Mártires - Pe. Guadalupe Carney
Pe. GUADALUPE CARNEY
Revolucionária e Mártir do Povo Hondurenho
HONDURAS * 16/09/1983
Memória dos 36 anos de seu martírio.
Pe. Guadalupe Carney nasceu em 1924, Chicago, Estados Unidos. Seu nome original é James Francis Carney, de uma família de classe média trabalhadora, e desde cedo percebeu a vida burguês em que vivia. Serviu como soldado na França e na Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial; e por mais estranho que pareça, ele pensou que era preferível deixar-se matar ao invés de matar um soldado inimigo.
Além disso, sua obstinada resistência à autoridade o colocou em apuros algumas vezes. Em uma ocasião passou um tempo na prisão porque se recusou a parar de conversar com prisioneiros alemães. Ele tinha o sentimento e a consciência de que todas as pessoas deveriam ser tratadas com dignidade e respeito.
Sua fé era profundamente importante para ele. No entanto, ele ficou surpreso com o quão pouco a religião parecia importar para muitos cristãos, tanto em seus anos de Exército e, mais tarde, nos estudos universitários. Ele também foi profundamente tocado pela extrema pobreza dos norte-africanos muçulmanos que tinha visto na França, e se perguntava indignado; "por que o ser humano tem que viver em tais dificuldades".
Todas estas experiências despertou um desejo de tentar mudar a maneira como as pessoas vivem no mundo. Em 1948, entrou na Companhia de Jesus, para responder o chamado, tornando-se posteriormente um missionário jesuíta em Honduras. Comunista e cristão mesmo antes de sua formação no seminário. Em seus anos de faculdade, ele trabalhou na fábrica da Ford em Detroit. Lá, ele percebeu e ficou incomodado por um estranho fenômeno; enquanto os comunista ateus procurava lutar e a trabalhar para uma sociedade mais justa e um mundo melhor, os muitos cristãos dava mais atenção ao ficar à frente e à busca da riqueza e do prazer.
Ele se convenceu de que o sistema capitalista era intrinsecamente mau, promovendo uma atitude egoísta, individualista e competitiva nas pessoas. Mas ele também rejeitou os sistemas marxistas da Rússia e da China, que parecia perder o valor da pessoa humana na coletividade do estado. Continuou em busca de outro caminho, uma forma de socialismo onde as pessoas compartilham o que têm, como os primeiros cristãos descritos nos Atos dos Apóstolos.
Chegou a Honduras em 1962, já como sacerdote jesuíta, animado pelo ideal do Concílio Vaticano II, do serviço radial aos pobres, e pela convivência com as comunidades campesinas e com os pobres, e participando de suas lutas, se transformou como ele mesmo disse em suas memórias, “de um gringo burguês em um lutador revolucionário”.
Neste país pobre da América Central, Carney argumentou que, tal como o Filho de Deus tornou-se plenamente humano como um de nós, então ele teve que realmente tornar-se um com o hondurenho campesino. Como Saul tornou-se Paulo para significar a sua nova vida em Cristo, Carney tornou-se Guadalupe para simbolizar sua total identificação com o povo hondurenho. Por fim, e depois de anos de trabalho neste país, ele se tornou um cidadão de Honduras e renunciou ao seu direito de cidadão americano.
Em seu livro “Metamorfosis de un revolucionario”, ele elaborou suas ideias sobre a formação espiritual. Estudos teológicos tradicionais, ele acreditava, pareciam formar sacerdotes no serviço do status quo. A classe média confortável vive em sua maioria dentro do sistema capitalista e escondido nos ideais imperialistas dos Estados Unidos.
Pe. Guadalupe afirmou que foram os pobres camponeses de Honduras que realmente lhe ensinou o Evangelho, a Boa Nova que Jesus trouxe, e que a classe burguesa não pode realmente entender o que significa "levar a Boa Nova aos pobres".
A história de sua vida tem o direito de ser reconhecida como uma história de um revolucionário, porque o Pe. Guadalupe acreditava firmemente que como cristão, tinha que ser um revolucionário, e viver a radicalidade do evangelho, para se ter uma vida cristã plena. O Evangelho é revolucionário. Guadalupe viu e compreendeu os problemas dos pobres. Ele viu como as empresas de frutas americanas haviam tomado as melhores terras e plantações. Eles e alguns hondurenhos ricos controlava cerca de 95% da riqueza do país. Enquanto o restante da população viviam em extrema pobreza.
As tentativas de organizar sindicatos muitas vezes ocasionaram às mortes e desaparecimentos de seus líderes. Em um vídeo raro ele diz: "a forma como os camponeses são tratados é totalmente inaceitável por Deus e isto deve ser mudado”.
Em uma história datada de 20 julho de 1966 no National Catholic Reporter, Pe. Guadalupe é defendido por seu superior jesuíta Padre Fred Schuller. Este, sem reservas, descreveu o trabalho de Guadalupe como "o da Igreja". Chamado de comunista pela rica família Borgan, Guadalupe foi acusado de "agitar os camponeses, pregando a subversão contra o governo de Honduras". Schuller, "afirmou que essa falsa acusação era típica, era o que estavam sujeitos aqueles que defendem os pobres, eram insultados e tidos como subversivos".
A Igreja não podia ficar em silêncio enquanto seus filhos pobres estavam sendo explorados e muitas vezes martirizados por tentarem lutar por seus direitos elementares. Eventualmente Pe. Guadalupe escolheu viver sozinho em sua pequena Igreja de missão onde dividiu completamente a vida e a pobreza de seu povo. Por sua identificação com o povo ele ensinou os caminhos da teologia da libertação: "Cristo veio para libertar as pessoas e estabelecer um Reino da Justiça e de Paz". E estes ensinamentos tornou-se parte significativa da luta do povo para tornar isso uma realidade.
Houve momentos em que o governo de Honduras teria aprovar leis que deram grandes extensões de terra para os camponeses pobres, de modo que eles teriam uma melhor chance de sobreviver; em seguida, as empresas e os ricos proprietários de terras influenciariam novos governos para tirar os direitos do povo de ter suas próprias terras.
Por muitas vezes fizeram ameaças como: "padre comunista, será morto se não parar de se intrometer em assuntos políticos”. Em seu trabalho paroquial Pe. Guadalupe foi de aldeia em aldeia fazendo seus deveres religiosos, mas também falando contra as injustiças feitas aos pobres; e ajudando a organizar os sindicatos hondurenho. Mais ameaças foram feitas contra a sua vida. Em 1979 foi preso, teve sua cidadania hondurenha ilegalmente revogada e foi expulso do país.
Ele escreveu sobre sua vida e seus ideais, enquanto vivia na Nicarágua. Eventualmente, ele voltou para Honduras para ser capelão das forças revolucionárias. Em 1983, aos 58 anos de idade, "Padre Guadalupe", agora uma lenda entre os pobres de Honduras, tornou-se um capelão para uma comuna armada revolucionária, e pouco tempo depois foi capturado pelo exército, que afirmou que "Pe. Carney tinha desaparecido". Mais tarde, as autoridades apresentaram a estola e o cálice aos seus parentes, o que sugere que ele tinha "provavelmente morrido de fome nas montanhas". Esta forma de ocultar a verdade sobre a morte do Pe. Guadalupe não foi aceita por seus familiares, já que ele tinha habilidades para sobreviver na selva. Isto cheirava como uma maneira de encobrimento da verdade por parte da justiça hondurenha. Seu irmãos, irmã e um amigo jesuíta ficaram por cerca de 20 anos em busca de informações sobre a sua morte junto ao governo de Honduras.
O governo de Honduras veio com cerca de seis histórias diferentes. Depois de tentarem de toda forma ocultar a verdade, com um memorando oficial que sustentava que ele havia morrido de fome, em 19 de agosto de 1985 surge uma testemunha para desmentir estas afirmações, o Senhor Cabelleros, um refugiado hondurenho e um ex-membro dos esquadrões da morte hondurenhos. Ele confirmou o envolvimento da CIA e disse que tinha ouvido de outras pessoas que Padre Guadalupe tinha sido assassinado e fora jogado de um avião na selva.
A vida de Guadalupe é um testemunho eloquente do sacerdócio e do chamado cristão para o discipulado. Em uma época de ufanismo onde o Evangelho radical de Jesus é frequentemente subvertido pela corrosão sedutora do nacionalismo, Carney lembra a todos os batizados, onde o nosso compromisso deve se centrar; "no compromisso com as causas do povo, pela libertação da exploração e injustiça, sempre na procura da Paz".
Texto elaborado por Tonny, da Irmandade dos Mártires da Caminhada,
a partir de pesquisas na internet e livros: Metamorfoses de un revolucionario.
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