Galeria dos Mártires - Fulgêncio Manoel da Silva

FULGÊNCIO MANOEL DA SILVA
Um líder inesquecível!
SANTA MARIA DA BOA VISTA - PE * 16/10/1997

Memória dos 20 anos de seu martírio.

Fulgêncio Manoel da Silva, 61 anos, era um homem do povo, da luta e de Deus. Dedicou 27 anos de sua vida ao movimento sindical na região de Itaparica, Submédio São Francisco e construiu um legado inestimável de amizades e de conquistas sociais junto com trabalhadores/as e suas organizações sindicais.

A principal delas foi o Reassentamento de Itaparica, através do “Acordo de 86”, como ficou conhecido, garantindo aos trabalhadores/as o direito à permanência na terra com casas, lotes irrigados, área coletiva para agricultura de sequeiro, indenizações, linhas de crédito, assistência técnica e o acompanhamento direto das entidades representativas no processo de relocação das famílias. Sonhava e acredita com um reassentamento livre, forte, produtivo, com viabilidade econômica e social e pregava a autogestão dos projetos. Combativo, não se cansou de dizer não às privatizações do governo, ao desrespeito com trabalhadores/as, à ganância dos latifundiários e à violência.

Sua luta em defesa dos direitos dos atingidos pela barragem de Itaparica e pela cidadania dos trabalhadores/as rurais foi lembrada com a premiação “Medalha Chico Mendes de Resistência 2000”, criada em 1989 e que é entregue todos os anos a 10 personalidades ou instituições latino-americanas que se destacam na luta pelos direitos humanos.

Durante toda a sua trajetória como líder sindical, sempre agiu com simplicidade, humildade e dignidade, buscando conquistar através do diálogo os direitos do povo. Quando este cessava (o diálogo), a pressão e ocupação eram as únicas saídas encontradas; mas, sem perder a ternura. Esse jeito de lidar com as pessoas e as questões sociais era próprio de Fulgêncio que cultivava cada vez mais admiração e respeito de quem o conhecia. Sentimentos, estes, explícitos no texto de Creusa Lopes (2007): “Conheci “seu Fulgêncio” em 1991 quando vim trabalhar no Sindical, desde o inicio senti por ele uma grande admiração e respeito. A agrovila 43 passou a ser “meu quartel general”, ficava semanas inteiras na casa de dona Zefinha (sua irmã) e seu José Lima; juntos trabalhávamos nas agrovilas incentivando os/as reassentados/as a lutarem por suas terras e seus direitos. E com ele fui aprendendo muitas coisas e vendo meu respeito e admiração aumentar”.

É a este companheiro de todas as horas, homem sonhador, líder exemplar que doou a sua vida em favor de muitos, participando diretamente dos Sindicatos de Floresta (1970-1988) e Santa Maria da Boa Vista (1988), Coordenador nacional do Movimento dos Atingidos por Barragem - MAB (1990-1993), integrante da direção do Polo Sindical (1998), dentre outras atuações importantes, que o Polo Sindical dos/as Trabalhadores/as Rurais do Submédio São Francisco – PE/BA, quer homenagear a cada 16/10, em que se faz memória do seu brutal assassinato; querendo, sobretudo, externar o sentimento de gratidão por tudo aquilo que Fulgêncio construiu junto com os trabalhadores/as da nossa região, deixando um legado material, social, educacional e cultural imensurável.

Esse legado eternizou-se em seus versos, prosas e poesias por meio do Cordel, dos quais se aproveitava também para denunciar e conscientizar os trabalhadores. Dentre suas principais obras estão: “A cesta do governo Collor”; “Idéias para acabar com a seca”; “O acampamento na Hidroelétrica de Itaparica” e “Autogestão”.

“A todos reassentados
Preste bem atenção
A tudo que eu vou falar
Nessa minha narração
No meus versos vou falar
Pra juntos nos preparar
Pra futura autogestão.

Pra quem não sabe o que é isso
Eu quero aqui explicar
Auto quer dizer dono
 Com direito de mandar
E nessa outra questão
Que se chama de gestão
Quer dizer administrar”.
 (Trecho do verso de Fulgêncio “Autogestão”)

Os versos do passado nos remetem a uma profunda reflexão no presente da capacidade, sensibilidade e sabedoria deste líder em fazer a leitura da vida e dos acontecimentos a partir da caminha e da luta dos trabalhadores/as, das suas aspirações por políticas públicas que contemplem os menos favorecidos e pelo envolvimento da sociedade como um todo nos momentos decisivos para o rumo do País. A autogestão dos projetos de reassentamentos defendida, propalada e alertada por Fulgêncio ontem é realidade hoje, e nos chama a atenção para o posicionamento vigilante e combativo na defesa dos trabalhadores/as, mesmo diante de um governo popular. Para isso, é preciso a manutenção do foco, o surgimento de novos líderes, do resgate das bandeiras de luta através da reorganização dos movimentos, pois, a caminhada ainda é longa, os percalços ainda existem e no jogo de interesses os trabalhadores só ganharão se estiverem unidos e organizados.

Fulgêncio sempre foi referenciado e homenageado em várias obras populares pelos poetas do povo como ele, de companheiros de luta, grupos, movimentos sociais e amigos, como no poema: Fulgêncio, toda hora, todo dia! de Tenório da Silva.

Fulgêncio só deixou exemplo
a ser seguido
sua vida foi um poema
de rimas e versos bonitos
só cantou a liberdade
deve está mais Castro Alves
fazendo versos pra Cristo

Vamos todos fazer
o que Fulgêncio queria
conscientes e unidos
viver a cidadania
mostrar que sua luta
não foi em vão
e que Ele vive em nosso coração
toda hora, todo dia!

“Sempre lembramos com pesar do companheiro que nos deixou, mas também devemos aproveitar para avaliarmos melhor as nossas ações e os nossos compromissos com reassentamento de Itaparica à luz dos ensinamentos, da dedicação e dos sonhos de Fulgêncio que também são nossos. A ele a nossa gratidão e a certeza de que a semente que ele plantou continua germinando em nossos corações, em nossas almas e em nossas lutas por justiça, igualdade, fraternidade, viabilidade econômica nos projetos, pois, o sonho não acabou!”, enfatizou Nunis, atual Coordenador do Polo Sindical-PE/BA.

Assim como a amiga Lopes, queremos pedir ao Inesquecível Líder Fulgêncio Manoel da Silva que de onde estiver estenda o seu inseparável chapéu para cobrir e marcar com o sinal da esperança, da justiça e da paz todos os reassentados de Itaparica que continuam a lutar, sem cessar, acreditando em melhores dias.

Por Josiel Araújo Santos - Comunicador Popular/Polo Sindical-PE/BA
Fontes: Creusa Lopes, Texto: A Gente se Acostuma, mas não devia. 10/10/2007. 
Arquivos: Boletim Informativo do Polo Sindical dos Trabalhadores/as Rurais do Submédio São Francisco-PE/BA.

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