Galeria dos Mártires - Pe. Joan Alsina Hurtos

Pe. JOAN ALSINA HURTOS
Testemunho da Fé na América Latina
CHILE * 19/09/1973

Joan Alsina Hurtos, jovem sacerdote catalão, chegou ao Chile por meio da OCSHA (Obra de Cooperação Sacerdotal Hispano-Amaricana) em 1958. Jovial, destemido, generoso, com um claro carisma pela Pastoral Operária, viveu coerentemente seu sacerdócio e seu compromisso social, ao serviço do povo, de quem foi sempre um companheiro. Foi assessor de vários grupos cristãos.

Trabalhou no Hospital San Juan de Dios, viveu como operário num bairro de Santiago e foi, sobretudo, profeta da Palavra. Nos finais de semana celebrava a missa em um bairro operário ou ajudava nas paróquias vizinhas. Foi capelão dos grupos de Ação Católicas.

Depois do golpe militar chileno de 11 de setembro de 1973 de derrubou o presidente Allende, continuou indo ao trabalho no hospital dizendo que lá estaria mais seguro, além disso, no hospital havia muita gente em reais dificuldades que necessitava dele. No dia 19 daquele mês foi levado pelos militares. Seus amigos passaram vários dias procurando por ele. Em 26 de setembro, o cônsul espanhol avisou que seu corpo estava no necrotério (fora encontrado no dia 20). 

Na missa fúnebre foi concelebrada por mais de quarenta sacerdotes. Segundo o médico que efetuou a autópsia a pedido do cônsul, ele tinha no corpo mais de 10 perfurações de bala, todas disparadas pelas costas. Havia chegado ao necrotério às 10:30h da manhã do dia 20, em um caminhão juntamente com outros cadáveres achados debaixo da ponte Bulnes no rio Mapocho.

Nas horas antes do seu martírio deixou-nos um dos mais belos textos martiriais desse nosso século latino-americano: seu “Testamento”. O próprio soldado que o fuzilou dá testemunho da serenidade cristã com que Joan deu a vida: Ele me disse: ”por favor, não me vendes os olhos, mata-me de frente porque quero ver-te para te dar o perdão”... Levantou o olhar para o céu,... pôs as mãos sobre o peito... e disse: “Pai perdoa-os!”.

Segue abaixo carta-oração, testemunho espiritual escrita por Joan Alsina:

Por quê?
Queríamos colocar vinho novo em odres velhos e acabamos ficando sem odre e sem vinho... no momento.
Chegamos ao fim caminho, abrimos uma trilha e agora estamos nas pedras. Até quando continuaremos andando... Até quando? Pode ser que encontremos algumas árvores para nos proteger das balas.
- Nenhum dos que molharam o pão nas panelas do Egito, verá a Terra Prometida, sem passar antes pela experiência da morte.
- Já não há profetas entre nós, apenas o bezerro de ouro. (Ex. 32,1-16). Nada restou de dois dias para cá.
E como não podemos falar, ruminamos. Temos saudades do pão seco compartilhado, comido entre risos e sorrisos.
Nós não tínhamos entendido as palavras de São Paulo: "Nós todos vamos ser testado pelo fogo". E quanta palha queimada! Onde estão agora os que queriam chegar às últimas consequências?
- Permitiram-nos fazer um jogo tão nojento, com possibilidades tão limitadas, que nós mesmos nos saturamos. "Santa Democracia, rogai por nós!"
É fácil resignar-se - tão fácil pregar a resignação - com a perda. Porque perder significa deixar de ter e começar a ser. E aqueles que mais tinham e continuam a possuir, são os que menos eram; eram menos, mas tinham o poder e força.
“E Verbo se fazia carne”. E isto não toleramos. É o escândalo da cruz. Nunca Suportamos.
Respeitaremos todas as ideologias... enquanto não tentem tornar-se carne e realidade. Se ousarem, fá-la-emos sangue e carne massacrada.

E agora?
São muitas pessoas que foram identificadas e purificadas. Setenta e dois disseram. Quarenta mil estavam no êxodo. E aqui também, de um lado e outro.
Que importa?
O povo é tropa, evidentemente; "Faremos uma país novo, livre e independente". Outras Vozes, outros âmbitos. Não, as vozes são as mesmas, e a dialética também. Falta de conexão interna. Não sabem quem sou, de onde eu venho e para onde vou. Chegarei a casa. Este me olha. Aquele pode me prender. Esconder-te. Depender de uma senha, de uma instituição, de uma confissão arrancada. Suor, frio, calor. Uma cela pequena, solitária, fria. Quem está do outro lado do telefone? Quem chama à porta a esta hora? Não sei o que vou fazer, somente o que me farão. E o mais doloroso: por quê? Agora entendo quando me falam da luta contra o medo. E ainda continuam os disparos. Principalmente a noite. Isto é a insegurança e a consciência da insegurança, o medo.
Quem contra quem? Pessoas, pessoas, pessoas. De um lado e do outro. Eles estão mortos; ou em fuga; ou estão lá em cima. Estratégias, decretos, declarações! E o povo dormindo ou morto. É a impotência. O sangue ferve. As palavras não saem. E pensar que - palavras e ações estão fadadas ao pó e a carne esmagada e massacrada.
E a nossa Mãe? (Igreja)
Não se pode improvisar.
O equilíbrio serve somente para os tempos de 'paz'.

Esperanças
Se o grão de trigo não morrer, nunca dará frutos. É terrível um monte incendiado, mas é preciso ter esperança de que, da cinza molhada, negra e pegajosa, volte a germinar vida.
Descobrimos a vida em cada dia, em cada minuto. Descobrimos os valores dos pequenos gestos de cada momento. O riso na rua triste; a voz amiga em código no telefone; a preocupação pelos caídos; a mão estendida; a fase que ousa dizer uma piada.
Lembro-me de uma passagem de Saint Exupéry, em Vôo Noturno. Ele estava voando não sei sobre qual país, quando só então captou o sentido da casa, da montanha solitária, da luz, das ovelhas, do pastor. Para entender o sentido das coisas é necessário que nos distanciemos delas ou que delas nos distanciem.
Agora eu entendo as palavras de São Paulo: "A caridade não se incha de orgulho". (I Coríntios, 13,4). A verdade está escondida, porque é a Palavra feita carne. Somos como ovelhas levadas ao matadouro. Em tuas mãos entrego o meu espírito. Isto não é literatura. Nos momentos cruciais temos que empregar símbolos. De outra forma não poderíamos expressar.
Esperamos vossa solidariedade. Entendeis agora o que significa o Corpo de Cristo? Se nos afundamos, é algo da esperança que se afunda. Se com as cinzas brotar nova vida, é algo que nasce de novo dentro de vós.

Adeus a todos. Ele sempre nos acompanha onde quer que estejamos.

Texto elaborado por Tonny, da Irmandade dos Mártires da Caminhada.

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